Não é exagero afirmar que as origens do Sistema Único de Saúde (SUS) se perdem, nos sonhos por muitos alimentados de ver a saúde como um direito social, ou melhor, como um estado de bem-estar social assegurado pelo Estado de forma universal e equânime.
Estes sonhos começaram a se
concretizar, no pós-guerra, quando, em 1948, a Declaração Universal dos
Direitos Humanos, assinada inclusive pelo Brasil, consagrou no seu bojo a Saúde
como Direito Humano.
Na Conferência Internacional de
Cuidados Primários de Saúde, realizada em 1978, em Alma Ata, no Cazaquistão, um
novo paradigma assumiu importância, na agenda da Conferência. Foram exigidos
dos Governos acreditados na OMS/ONU e de toda comunidade mundial maior empenho em garantir a proteção e a promoção
da saúde a todas as pessoas. Era a prioridade de uma nova ordem mundial com
foco voltado para a proposta de Saúde para Todos no Ano 2.000.
No Brasil, a evolução foi lenta e
gradual. Mergulhado numa política sanitária elitista e excludente, no final do
período imperial e início do republicano, começa, progressivamente, se
desvencilhar dessas amarras e ensaiar suas primeiras tentativas para
implantação de um modelo político de saúde e previdência. Apesar das Caixas de
Socorros e dos Fundos de Pensões oriundos dos últimos dias do Império, somente
em 1923, pressionado pela crescente insatisfação dos operários das cidades, o
Governo, pela primeira vez, tomou a decisão de instituir um Sistema Assistencial
ao trabalhador brasileiro com a criação das Caixas de Aposentadoria e Pensões
(CAPs), a partir da aprovação da Lei Elói Chaves.
Essas Caixas, organizadas por
empresas e trabalhadores, deixavam à margem os desempregados e trabalhadores
informais além de serem organizações frágeis que nem sempre cumpriam com os
compromissos assumidos com os que deviam ser beneficiados.
Esse inseguro quadro mudou com a
ascensão de Getúlio Vargas ao poder. Essas Caixas foram substituídas pelos
Institutos de Aposentadoria e Pensões (IAPs), organizados como autarquias
federais de nível nacional.
Essas instituições que afinal
cumpriram, satisfatoriamente, os objetivos para os quais foram criadas não
atendiam às demandas da população não contribuinte, ficando a parte mais necessitada
a se beneficiar dos precários serviços dos postos de saúde municipais e dos
serviços estaduais além de se submeter à condição de indigente, nos hospitais
públicos. Apesar disto, esses Institutos resistiram ate 1974 quando foram
fundidos, no recém-criado Instituto Nacional de Assistência Médica e
Previdência Social (INAMPS) como autarquia vinculada ao Ministério da
Previdência e Assistência Social. O Instituto tinha por finalidade atender os
filiados do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) do qual foi
desmembrado.
É importante lembrar que a partir do
final da década de 1960, novas concepções sobre assistência e previdência
passam assumir a agenda política do Governo. O fluxo do campo para as grandes
cidades deixou mais à mostra os trabalhadores rurais, para os quais começa a se
voltar a atenção do poder público. Em maio de 1971, foi instituído o Fundo de
Assistência ao Trabalhador Rural (FUNRURAL) para garantir a esses trabalhadores
dentre outros benefícios serviços de saúde e social.
Na Constituição Federal, promulgada
em 1988, foi criado finalmente um novo modelo de assistência à saúde, único por
ser nacional, de responsabilidade dos governos federal, estadual e municipal,
dentro dos princípios de universalidade, equidade e integralidade, com objetivos
claros de promover, proteger e recuperar a saúde dos brasileiros.
Antes da extinção do INAMPS, que
ocorreu em 1993, e da entrada em definitivo do SUS, o período de transição foi
ocupado pelas atividades do SUDS (Sistema Unificado e Descentralizado de
Saúde), um convênio entre o INAMPS e os governos estaduais seguido da
incorporação desse Instituto pelo Ministério da Saúde.
Os problemas e as insatisfações
começaram aparecer. Em 1991, o ainda INAMPS assegurou gratuidade total de
internação hospitalar, proibindo a complementaridade cobrada pelos hospitais.
Como conquista desapareceu a figura do indigente hospitalar. Como problemas,
houve grande procura da classe média para os planos de saúde e os pedidos de
descredenciamento de serviços médicos por todo o Brasil que se desinteressaram dos
convênios pela perda da complementação das diárias quando da passagem de
pacientes das enfermarias para os apartamentos.
O modelo de financiamento dos serviços
profissionais também foi se deteriorando, ao longo do tempo, possivelmente
corroído pela inflação e nem sempre repostas as perdas, o que, até o presente,
tem levado muitos profissionais a greves e abandono dos serviços com negativas
repercussões na credibilidade do Sistema.
Acrescentem-se a tudo isto, as grandes
desigualdades regionais e sociais, o aumento, a partir das últimas décadas do
século passado, da expectativa de vida dos brasileiros com aumento da
prevalência das doenças crônicas degenerativas. Dentre outros complicadores que
podemos ainda citar estão as precárias instalações de muitos serviços
instalados nas capitais e no interior dos Estados, a má aplicação dos recursos
destinados ao financiamento dos serviços além dos desvios que de há muito vêm
sendo detectados pelo Ministério Público, além da falta de planejamento das
ações, na grande maioria dos municípios e da politização partidária dos
Conselhos.
É, portanto, dentro desse contexto
de elevada complexidade que os responsáveis tentam viabilizar o SUS. Será que
conseguem?
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