domingo, 29 de dezembro de 2013

Da Medicina Colonial ao SUS, no Maranhão


José Márcio Soares Leite

 
São Luís, capital do Estado do Maranhão, há de ter sido, sem dúvida, a única de nossas capitais que em tempo tão remoto contou com a presença de um médico, o cirurgião francês Tomas de Lastre, entre os que testemunharam sua fundação pelos franceses em 1612 (Meireles.M.M. Dez Estudos Históricos. 1994.A.M.L). No período que esteve entre nós, de 1612 a 1615, deixou um grande exemplo de humanização da medicina, ao atender no Forte Santa Maria (Icatú-MA) os portugueses feridos na batalha de Guaxenduba. Depois do seu retorno à França, ficamos praticamente meio século sem a presença de um médico e à mercê dos curadores e barbeiro-sangradores, praticando toda sorte de mazelas e empirismos no trato das doenças, situação agravada por uma epidemia de varíola.

Existiam nesse século XVII em São Luis dois hospitais: o Hospital Militar, o primeiro do Maranhão, que começou a funcionar desde o início do século, e a partir de 1653 o Hospital da Misericórdia, fundado pelo Padre Antonio Vieira, que funcionava graças à caridade pública em uma casa alugada, tendo sido fechado com o retorno do Padre Vieira a Lisboa, em 1661.

No século XVIII continuamos a ser dizimados por epidemias, pois além da varíola tivemos o sarampo. Surgiu a primeira farmacopéia maranhense, denominada Observação dos Vegetais e, já no final do século, Portugual oferecia bolsas de estudo para quem desejasse graduar-se em Lisboa.

Logo na segunda década do século XIX tivemos a mudança do Hospital Militar, da Rua do Hospital Velho, hoje Santana, para a Ponta de Santa Amaro (final da rua de São Pantaleão), onde funcionou a Casa da Madre de Deus, retiro espiritual dos Jesuítas, passando a denominar-se Hospital Regimental. Nessa mesma década, por iniciativa da Irmandade da Misericórdia, instalou-se o Hospital São José da Caridade, em área contígua à Igreja do mesmo nome, hoje de São Pantaleão. Neste mesmo período, começaram a voltar ao Maranhão os médicos que se graduaram na Europa, substituindo os curadores e barbeiro-sangradores. Em 1836 o Hospital São José da Caridade mudou-se para a rua do Norte, onde permanece ate hoje, com a denominação de Santa Casa de Misericórdia do Maranhão, atualmente de São Luís.

Na segunda metade do século XIX, instalaram-se em São Luis as clínicas privadas do Dr. José Maria de Matos e do Dr. Luiz Miguel Quadros, além do Hospital Português de São João de Deus, na rua do Passeio, inaugurado em 1869 pela Real Sociedade Humanitária 1º de Dezembro. É importante salientarmos que, nesse século, a doença foi mais objeto de assistência social do que da medicina. Ao final do século XIX

começaram a chegar ao Maranhão os médicos formados no Rio de Janeiro e na Bahia, inclusive alguns no interior do Estado. Tivemos ainda nesse século uma epidemia de febre tifóide, tendo sido criada em São Luís uma Repartição da Vacina.

O século XX se inicia com um surto de gripe espanhola e de varíola. Nas primeiras décadas desse século foram criadas as Faculdades de Farmácia e Odontologia e o Instituto de Assistência à Infância e Maternidade, este último por iniciativa do Dr. Tarquínio Lopes Filho, e também o Pronto Socorro dos Ulcerados, pelo Dr. Achiles Lisboa. Na década de 40, o Hospital Achiles Lisboa, para abrigar os hansenianos, o Hospital Presidente Vargas, para os tuberculosos, a Colônia Nina Rodrigues para os doentes mentais, o Complexo Hospitalar Maternidade Benedito Leite e Hospital Infantil Juvêncio Mattos, além do Pronto Socorro de São Luís e o Centro de Saúde Paulo Ramos. No campo da saúde pública, a criação da Secretaria de Saúde e Educação em 1947, confiada ao Dr. Alfredo Salim Duailibe.

Na segunda metade do século XX foram inaugurados o Hospital Presidente Dutra, o Hospital Materno-Infantil e o PAM-Diamante (federais), a Maternidade Marly Sarney, os Hospitais Djalma Marques e Clementino Moura (Socorrões) e o Hospital Infantil Amaral de Mattos. Iniciou-se também a interiorização da medicina, com a implantação de Hospitais Regionais, e foi criada a Secretaria de Saúde Pública do Estado do Maranhão, além de 18 Regiões de Saúde. Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, foi instituído o Sistema Único de Saúde (SUS), tendo como princípios basilares o acesso universal e gratuito aos serviços de saúde e o controle social das políticas públicas de saúde.

O século XXI será um século de enfrentamento na saúde pública brasileira, pois o aumento da população de idosos e das doenças crônicas não transmissíveis, que já respondem por 70% da morbimortalidade no Brasil, exige a utilização de procedimentos médicos e medicamentos cada vez mais especializados e de altíssimo custo. Somamos a isso um grave descompasso entre o cumprimento do dispositivo constitucional do direito à saúde e à vida e os orçamentos públicos para a saúde, que, por maior que sejam o esforço e a disponibilidade dos governos nas esferas federal, estadual e municipais, não conseguem acompanhar a despesa sempre crescente de forma vertiginosa da saúde, tendo como consequência o que conhecemos como a judicialização da saúde, que tanto apoquenta os gestores públicos.

No Maranhão, o Governo do Estado, por meio da Secretaria de Estado da Saúde, buscando encontrar um norte para o enfrentamento dos óbices à consolidação do SUS, optou por uma política pública de descentralização, com base regional, de forma a procurar esgotar, nesse nível, as ações de média e alta complexidade. Tem realizado grandes investimentos na construção e nos equipamentos de Hospitais Regionais e Macrorregionais, dotando-os de recursos humanos especializados, capazes de conferir uma resolubilidade integral aos pacientes de forma descentralizada, evitando as filas e o padecimento dos pacientes em busca da atenção médica nos grandes centros urbanos, o que acentua também em demasia os custos desses procedimentos médicos. Os

municípios, por seu turno, precisam e devem cumprir seu papel de promoção da saúde e prevenção das doenças, por meio da atenção primária em saúde, estabelecendo uma rede articulada intra e interregional, nivelada por graus de complexidade crescente e nos quais os sistemas regulatórios e de apoio logístico terão um papel fundamental em todo o processo.

Por quatro séculos trabalhamos de forma centralizada em São Luís. Este será o século da descentralização da atenção à saúde, para outros centros regionais de saúde. Este é o desafio que a realidade impõe e que temos que enfrentar!

*Professor Doutor em Ciências da Saúde; Conselheiro do CRM/MA; Presidente da Academia Maranhense de Medicina e Subsecretário de Estado da Saúde

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