José
Márcio Soares Leite
São
Luís, capital do Estado do Maranhão, há de ter sido, sem dúvida, a única de
nossas capitais que em tempo tão remoto contou com a presença de um médico, o
cirurgião francês Tomas de Lastre, entre os que testemunharam sua fundação
pelos franceses em 1612 (Meireles.M.M. Dez Estudos Históricos. 1994.A.M.L). No
período que esteve entre nós, de 1612 a 1615, deixou um grande exemplo de
humanização da medicina, ao atender no Forte Santa Maria (Icatú-MA) os
portugueses feridos na batalha de Guaxenduba. Depois do seu retorno à França,
ficamos praticamente meio século sem a presença de um médico e à mercê dos
curadores e barbeiro-sangradores, praticando toda sorte de mazelas e empirismos
no trato das doenças, situação agravada por uma epidemia de varíola.
Existiam
nesse século XVII em São Luis dois hospitais: o Hospital Militar, o primeiro do
Maranhão, que começou a funcionar desde o início do século, e a partir de 1653
o Hospital da Misericórdia, fundado pelo Padre Antonio Vieira, que funcionava
graças à caridade pública em uma casa alugada, tendo sido fechado com o retorno
do Padre Vieira a Lisboa, em 1661.
No
século XVIII continuamos a ser dizimados por epidemias, pois além da varíola
tivemos o sarampo. Surgiu a primeira farmacopéia maranhense, denominada
Observação dos Vegetais e, já no final do século, Portugual oferecia bolsas de
estudo para quem desejasse graduar-se em Lisboa.
Logo
na segunda década do século XIX tivemos a mudança do Hospital Militar, da Rua
do Hospital Velho, hoje Santana, para a Ponta de Santa Amaro (final da rua de
São Pantaleão), onde funcionou a Casa da Madre de Deus, retiro espiritual dos
Jesuítas, passando a denominar-se Hospital Regimental. Nessa mesma década, por
iniciativa da Irmandade da Misericórdia, instalou-se o Hospital São José da
Caridade, em área contígua à Igreja do mesmo nome, hoje de São Pantaleão. Neste
mesmo período, começaram a voltar ao Maranhão os médicos que se graduaram na
Europa, substituindo os curadores e barbeiro-sangradores. Em 1836 o Hospital
São José da Caridade mudou-se para a rua do Norte, onde permanece ate hoje, com
a denominação de Santa Casa de Misericórdia do Maranhão, atualmente de São
Luís.
Na
segunda metade do século XIX, instalaram-se em São Luis as clínicas privadas do
Dr. José Maria de Matos e do Dr. Luiz Miguel Quadros, além do Hospital
Português de São João de Deus, na rua do Passeio, inaugurado em 1869 pela Real
Sociedade Humanitária 1º de Dezembro. É importante salientarmos que, nesse
século, a doença foi mais objeto de assistência social do que da medicina. Ao
final do século XIX
começaram
a chegar ao Maranhão os médicos formados no Rio de Janeiro e na Bahia,
inclusive alguns no interior do Estado. Tivemos ainda nesse século uma epidemia
de febre tifóide, tendo sido criada em São Luís uma Repartição da Vacina.
O
século XX se inicia com um surto de gripe espanhola e de varíola. Nas primeiras
décadas desse século foram criadas as Faculdades de Farmácia e Odontologia e o
Instituto de Assistência à Infância e Maternidade, este último por iniciativa
do Dr. Tarquínio Lopes Filho, e também o Pronto Socorro dos Ulcerados, pelo Dr.
Achiles Lisboa. Na década de 40, o Hospital Achiles Lisboa, para abrigar os
hansenianos, o Hospital Presidente Vargas, para os tuberculosos, a Colônia Nina
Rodrigues para os doentes mentais, o Complexo Hospitalar Maternidade Benedito
Leite e Hospital Infantil Juvêncio Mattos, além do Pronto Socorro de São Luís e
o Centro de Saúde Paulo Ramos. No campo da saúde pública, a criação da
Secretaria de Saúde e Educação em 1947, confiada ao Dr. Alfredo Salim Duailibe.
Na
segunda metade do século XX foram inaugurados o Hospital Presidente Dutra, o
Hospital Materno-Infantil e o PAM-Diamante (federais), a Maternidade Marly Sarney,
os Hospitais Djalma Marques e Clementino Moura (Socorrões) e o Hospital
Infantil Amaral de Mattos. Iniciou-se também a interiorização da medicina, com
a implantação de Hospitais Regionais, e foi criada a Secretaria de Saúde
Pública do Estado do Maranhão, além de 18 Regiões de Saúde. Com a promulgação
da Constituição Federal de 1988, foi instituído o Sistema Único de Saúde (SUS),
tendo como princípios basilares o acesso universal e gratuito aos serviços de
saúde e o controle social das políticas públicas de saúde.
O
século XXI será um século de enfrentamento na saúde pública brasileira, pois o
aumento da população de idosos e das doenças crônicas não transmissíveis, que
já respondem por 70% da morbimortalidade no Brasil, exige a utilização de
procedimentos médicos e medicamentos cada vez mais especializados e de
altíssimo custo. Somamos a isso um grave descompasso entre o cumprimento do
dispositivo constitucional do direito à saúde e à vida e os orçamentos públicos
para a saúde, que, por maior que sejam o esforço e a disponibilidade dos
governos nas esferas federal, estadual e municipais, não conseguem acompanhar a
despesa sempre crescente de forma vertiginosa da saúde, tendo como consequência
o que conhecemos como a judicialização da saúde, que tanto apoquenta os
gestores públicos.
No
Maranhão, o Governo do Estado, por meio da Secretaria de Estado da Saúde,
buscando encontrar um norte para o enfrentamento dos óbices à consolidação do
SUS, optou por uma política pública de descentralização, com base regional, de
forma a procurar esgotar, nesse nível, as ações de média e alta complexidade.
Tem realizado grandes investimentos na construção e nos equipamentos de
Hospitais Regionais e Macrorregionais, dotando-os de recursos humanos
especializados, capazes de conferir uma resolubilidade integral aos pacientes
de forma descentralizada, evitando as filas e o padecimento dos pacientes em
busca da atenção médica nos grandes centros urbanos, o que acentua também em
demasia os custos desses procedimentos médicos. Os
municípios,
por seu turno, precisam e devem cumprir seu papel de promoção da saúde e
prevenção das doenças, por meio da atenção primária em saúde, estabelecendo uma
rede articulada intra e interregional, nivelada por graus de complexidade
crescente e nos quais os sistemas regulatórios e de apoio logístico terão um
papel fundamental em todo o processo.
Por
quatro séculos trabalhamos de forma centralizada em São Luís. Este será o
século da descentralização da atenção à saúde, para outros centros regionais de
saúde. Este é o desafio que a realidade impõe e que temos que enfrentar!
*Professor Doutor em Ciências da Saúde;
Conselheiro do CRM/MA; Presidente da Academia Maranhense de Medicina e
Subsecretário de Estado da Saúde